Nos últimos tempos, tem crescido uma interpretação equivocada e perigosa sobre a distribuição desproporcional de lucros entre sócios. Alguns Fiscos estaduais passaram a autuar empresas alegando que essa prática configura uma “doação disfarçada”, sujeita à tributação pelo ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação).
Essa visão não só contraria a legislação vigente, como também desconsidera a realidade empresarial e a autonomia privada garantida aos sócios na gestão de seus negócios. Mas afinal, o que a lei realmente diz sobre isso?
O Que Diz o Código Civil?
A distribuição desproporcional de lucros nada mais é do que uma decisão legítima dos sócios, expressamente autorizada pelo Código Civil. O artigo 1.007 deixa claro que os sócios participam dos lucros e das perdas na proporção de suas cotas, salvo disposição em contrário no contrato social.
Ou seja, desde que haja previsão contratual, não há qualquer impedimento legal para que os sócios decidam distribuir os lucros de forma diferente da participação societária.
Essa flexibilidade permite que empresas reconheçam e recompensem contribuições diferenciadas dos sócios, como:
Sócio que trouxe novos clientes e alavancou o faturamento;
Sócio que fez um aporte extra de capital em um momento estratégico;
Sócio que se dedicou mais à gestão do negócio enquanto os outros se mantiveram passivos.
Nada disso caracteriza doação. Trata-se de uma decisão negocial baseada no próprio funcionamento da empresa.
E o Código Tributário Nacional?
A tese de que a distribuição desproporcional de lucros seria uma “doação” esbarra em outro grande obstáculo: o próprio Código Tributário Nacional (CTN).
O artigo 116, parágrafo único, permite que a autoridade fiscal desconsidere atos praticados para dissimular um fato gerador de tributo. No entanto, esse dispositivo não pode ser usado para transformar, artificialmente, uma distribuição legítima de lucros em doação.
A distribuição de lucros não cria um novo fato gerador de ITCMD, pois:
Não há transmissão de patrimônio gratuita e voluntária – O lucro já pertence à sociedade e está sendo distribuído conforme uma regra previamente estabelecida pelos sócios;
O pagamento é uma contraprestação negocial, e não um ato de mera liberalidade.
Portanto, a tentativa dos Fiscos estaduais de equiparar essa prática a uma doação é uma distorção da lei, sem respaldo jurídico sólido.
A Jurisprudência Está do Lado dos Empresários
A boa notícia é que a Justiça tem rechaçado essa interpretação equivocada. Tribunais de diversos Estados já proferiram decisões reconhecendo que não há incidência de ITCMD sobre a distribuição desproporcional de lucros.
Um exemplo claro vem do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), que decidiu que a autonomia dos sócios deve ser respeitada, desde que observadas as regras contratuais. A decisão ressaltou que o lucro nunca chegou a ser parte do patrimônio de um sócio para, depois, ser “doado” a outro, o que descaracteriza qualquer hipótese de doação tributável (Processo nº 5005960-13.2022.8.24.0008).
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proferiu decisões contraditórias sobre o tema. Enquanto algumas Câmaras reconheceram a legalidade da prática, outras adotaram um entendimento mais restritivo, o que pode levar o assunto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para pacificação.
Conclusão: Como Proteger Sua Empresa?
Diante dessa insegurança jurídica criada por interpretações abusivas do Fisco, é fundamental que os empresários adotem boas práticas para evitar autuações indevidas. Aqui vão algumas recomendações estratégicas:
✔ Previsão clara no contrato social – Sempre inclua a possibilidade de distribuição desproporcional de lucros no contrato da empresa.
✔ Registro da justificativa em ata – Em caso de distribuição diferenciada, registre em ata os motivos que levaram à decisão, como desempenho diferenciado de um sócio.
✔ Assessoria jurídica especializada – Contar com um escritório de advocacia especializado em direito empresarial e tributário pode fazer toda a diferença na defesa do seu negócio.
Se sua empresa já enfrenta questionamentos do Fisco ou deseja se proteger contra riscos futuros, busque uma assessoria especializada, pronta para analisar seu caso e traçar a melhor estratégia jurídica.